A FORMAÇÃO DE ESTUDANTES DA BÍBLIA

Pontualmente, no mesmo local, um grupo se reunia para estudar a Bíblia, apesar de estar limitado pela tradição do ensino de rabinos. Mas, a presença de um visitante inesperado trouxe grande surpresa e inquietação. Em seu discurso, o visitante apresentou uma interpretação nova e inicialmente “inconcebível” aos seus ouvintes. Diante da argumentação contundente, e sem meios de respondê-la, não houve outra posição a tomar a não ser a rejeição total acompanhada de perseguição.

Um segundo grupo recebeu o mesmo visitante, mas ao ouvir coisas tão conflitantes com o que acreditava até aquele momento, se dedicou a pesquisar e verificar a fundamentação bíblica dos argumentos apresentados. Ao findar a pesquisa, o grupo aceitou as afirmações do visitante.

Talvez pudéssemos registrar dessa forma as reações antagônicas dos judeus tessalonicenses e bereanos diante da releitura que Paulo fez do Antigo Testamento para apresentar Jesus como o Cristo há muito esperado por eles. Exaltamos a atitude dos bereanos, porque não foram alunos simplesmente, mas estudantes da Palavra e por isto tomaram a decisão acertada. No entanto, não podemos negligenciar o processo em que isto aconteceu. Precisamos oferecer aos crentes de hoje os subsídios necessários para o mesmo aprofundamento na Palavra. Mas é hora de refletir: Que tipo de ensino bíblico temos oferecido? Por que os membros de nossas igrejas não estão preparados para discernir as muitas doutrinas que chegam até eles? Podemos pensar em algumas possíveis respostas.

 

ENSINAR É ORIENTAR

 

Tem-se adotado um modelo tradicional de ensino colocando o professor no centro do processo ensino-aprendizagem. Aliás, o pensamento ainda dominante é: o professor ensina – o aluno aprende. Por isso direcionou-se todo o esforço pedagógico para transmitir conteúdo ao professor, que por sua vez deve transmití-lo ao aluno. Paulo Freire denomina este processo de “Educação Bancária”, pois se faz o depósito de conhecimento no outro. É interessante verificar este processo na descrição do papel do professor como intérprete da Palavra, no antigo manual para professores de adultos da JUERP:

 

“O professor da Escola Bíblica Dominical é um intérprete da Bíblia. Ele foi nomeado para este fim. Ele fica ao lado do seu aluno para dar as melhores explicações possíveis, para esclarecer palavras e frases difíceis, para desaconselhar conclusões precipitadas e para evitar interpretações espúrias, forçadas ou prejudiciais.”

 

Afirmar que algumas pessoas podem interpretar a Bíblia e outras não, é o mesmo que considerar que algumas pessoas são superiores e têm mais condições que outras. Antes da Reforma Protestante estas pessoas, consideradas superiores, eram os padres e bispos, ou seja formavam o clero. Lutero lutou para que a Bíblia fosse acessível a todos. Seu primeiro passo foi traduzir as Escrituras para o idioma do povo e utilizando os benefícios da imprensa reproduziu muitos exemplares. Como batistas, defendemos o livre exame das Escrituras, e entendemos que “o sacerdócio do crente significa que todos os cristãos são iguais perante Deus e na fraternidade da igreja local” (Princípios Batistas).

 

Uma visão mais interativa do papel do professor pode ser encontrada em Lucien E. Coleman Jr. Para ele a função do professor é facilitar a aprendizagem, criando condições favoráveis para que ela aconteça. Além de interpretar a Bíblia, o professor tem a difícil tarefa de ajudar os alunos a interpretá-la.

 

“O que é mais fácil: ajudar alguém a compor sua própria interpretação da Bíblia ou simplesmente contar-lhe a sua? O que exige mais capacidade: “expor o assunto” de uma maneira pré-fabricada ou orientar os alunos à medida que eles descobrem a verdade por conta própria?”

 

No dia-a-dia da Escola Bíblica em muitas regiões do Brasil, infelizmente, nem professor nem aluno interpretam a Bíblia. Ambos reproduzem a interpretação feita pelo autor da revista utilizada, com total ausência de senso crítico. O resultado disto, depois de anos, é um ensino bíblico com ênfase na reprodução, gerando alunos passivos e dependentes, que não sabem “responder a razão de sua fé”. Eles somente repetem o que seu professor ou pastor lhes transmitiu. Estão prontos para reproduzir os argumentos daqueles que mais o impressionaram, mesmo que sejam líderes de doutrinas divergentes. Quando os questionamentos externos fogem dos parâmetros da revista, nossos alunos não sabem reagir.

Podemos imaginar que os tessalonicenses visitados por Paulo na sinagoga podiam reproduzir somente os ensinamentos de seus mestres. Não estavam preparados para uma confrontação com um ensinamento diferente. Sem conhecer e utilizar os princípios de interpretação bíblica, sem desenvolver o hábito de pesquisar em outras fontes além da revista, do professor ou do pastor, nosso povo está despreparado para enfrentar os desafios atuais.

 

No entanto, segundo o autor do livro Programa de Educação Religiosa, “o objetivo da educação religiosa é a formação de uma consciência que oriente a conduta do cristão à luz da Palavra de Deus.” A formação da consciência crítica para tomada de decisões acertadas, principalmente aquilo em que devemos crer, vai acontecer mediante problematização, debate, reflexão. Precisamos criar um clima favorável a questionamentos por parte dos alunos, mas precisamos oferecer-lhes condições de usarem os princípios hermenêuticos em sua confrontação com a Bíblia. É indispensável conhecer os instrumentos básicos para interpretar a Bíblia e achar as possíveis respostas para os questionamentos feitos ou para as novas ideias que aparecem constantemente.

 

Mais importante é entendermos a mensagem da Bíblia ontem e hoje. O que Deus está nos dizendo através de Sua Palavra? A Palavra de Deus ensina a cada um de nós a lição que precisamos. Deus sabe exatamente aquilo que precisamos mudar em nossas vidas e nós também sabemos. Num processo de ensino-aprendizagem é o aluno quem deve descobrir como aplicar o texto bíblico estudado em sua vida.

 

NOGUEIRA, Olga. Coragem para mudar a Escola Dominical. Editora Horizonal, pg. 16,17.

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