Perguntas que realmente importam

As pessoas reagem de formas diferente ao caos e à agitação. Eu, por exemplo, no meio do desespero de dezembro, das festas de final de ano e do último semestre do mestrado separei um tempo para ler. A escolha foi Kafka – talvez reflexo da agitação, talvez só por preguiça de pegar um livro maior.

Kafka me faz pensar (e perguntar)

Para quem nunca leu Kafka, seus romances são conhecidos pela angústia quase incessante que marca a trama inteira. É uma leitura marcada por sequências de atos desesperados, sofridos, quase angustiantes. Ainda assim, e talvez por causa disso, é uma leitura que nos prende e, ao final, nos faz pensar. O livro, no meu caso, foi “Metamorfose”.

Bem, não pretendo revelar spoilers aqui, mas o dilema central se passa em uma família em que um dos membros passou por uma transformação física horrenda e inesperada. “O que fazer agora? Como isso aconteceu? O que virá em seguida? Qual o sentido de tudo isso?” Essas são perguntas que poderiam guiar toda a narrativa e, especialmente, os pensamentos de Gregor, o homem-não-mais-homem. No entanto, o que surpreende é que, em grande parte, essas não são as suas preocupações. Ele, ao perceber a metamorfose, fica preocupado fundamentalmente por não ir ao trabalho. Mas o que isso nos revela?

O livro me fez pensar naquilo que o caos – ou o silêncio – esconde. Aquilo que está por baixo de um mar agitado ou de uma calmaria sem fim.

As perguntas que fazemos com Eclesiastes

Muito antes de Kafka revelar isso – intencionalmente ou não –, um livro da Bíblia nos revela algo semelhante, porém de forma completa. Eclesiastes revela uma angústia semelhante e, ao mesmo tempo, completamente diferente.

Depois de viver muito, o autor de Eclesiastes revela diversos pensamentos sobre a vida. No fundo, contudo, a ideia dele é uma só: a vida se apresenta cheia de vaidades e nós vivemos correndo atrás delas como se elas fossem reais, como se houvesse algo de significativo nelas mesmas.

No entanto, essa corrida que consome os nossos 80, talvez 90 anos, é capaz de esconder de nós as coisas que ficam, que realmente importam. Em nome de perguntas sobre as consequências de faltar ao trabalho, Gregor deixou de perguntar qual o sentido de sua nova existência. Assim somos nós, em nome da vaidade deixamos de nos perguntar: O que virá depois de tudo isso? Há um Deus? Ele se importa comigo? Como eu posso me relacionar com Ele?

As perguntas que importam serem feitas

“Considerei todas as obras que fizeram as minhas mãos, como também o trabalho que eu, com fadigas, havia feito; e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento, e nenhum proveito havia debaixo do sol” (Eclesiastes 2.11)

No fundo, todos nós temos esses questionamentos e todos nós temos a consciência que essas são perguntas fundamentais. No entanto, também podemos sentir medo sobre o tipo de respostas que elas podem revelar. Então, como Gregor, nós preferimos pensar na existência diária e nas preocupações cotidianas com o trabalho, os estudos, a família, as férias e assim por diante. Ou, então, quando decidimos renunciar ao modelo “business man”, escolhemos um tipo de silêncio aparente e vazio, que permanece ocultando aquelas perguntas. Decidimos, então, viver uma vida zen, uma vida longe do stress, uma vida do “small is beautiful”.

Quando todo esse caos ou estado zen passarem, o que restará? Nós sabemos o que realmente importa? E não estou me referindo “ao que realmente importa” segundo textos de autoajuda, como a paz interior e a felicidade (que tipo de felicidade?). Estou falando do que realmente importa quando tudo que é passageiro queimar e não for mais que cinzas. Nesse momento então nós precisaremos fazer as perguntas que realmente importam: quem é Deus? Que tipo de relacionamento eu tive com Ele?

As perguntas que realmente importam normalmente se escondem no meio do barulho diário ou naquele silêncio superficial. Quando, todavia, nos deparamos com um silêncio real, que nos confronta com a realidade percebida pelo autor de Eclesiastes, não temos alternativas: precisamos reconhecer aquilo que não passa, aquilo que não perde o valor.

Faça as perguntas que tenham valor

O homem comum, o homem caído, o homem-não-mais-homem, foge disso. Ele prefere viver inebriado pelo prazer das vaidades, ignorando o real sentido da sua vida. Ele vive na inquietude, sem saber encontrar o descanso. Como resumiu Agostinho:

“Fizeste-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em ti” (Confissões).

Às vezes, contudo, quem está inebriado pela vaidade, sem perceber, são aqueles que já conhecem aquelas perguntas, porém muitas vezes esquecem as respostas. Esquecem o que realmente importa e qual o sentido dessa vida. Quando mais um ano ainda está no início temos duas possibilidades: lembrar qual o sentido de tudo que faremos nos próximos dias, semanas e meses; ou, viver apenas pensando no que fazer, ignorando o sentido real das coisas.

As perguntas que realmente importam não têm apenas respostas fundamentais, têm também respostas que dão significado a todo a agitação ou calmaria diárias. Quando vistos pelo ponto de vista verdadeiro, tudo encontra seu lugar. Por isso, esta é a conclusão de Eclesiastes:

“porque Deus há de trazer a juízo todas as obras, até as que estão escondidas, quer sejam boas, quer sejam más” (Eclesiastes 12.14).

 

por Elden Borges

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